28/01/2009

BPI e Sonae no Conselho Geral da UC

Este ano tivemos a infelicidade de assistir a mais um passo, dado pelo governo PS, no caminho da destruição do ensino superior público português: a aprovação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) que, entre outras coisas, permite a entrada de “elementos externos” (leia-se empresas e grupos económicos) na gestão das políticas das universidades. Este processo inicia-se com a publicação, em 2006, de um relatório elaborado pela OCDE, relativo ao ensino superior português. Em 2007, governo Sócrates aprova o RJIES, a lei que passaria a reger as instituições do ensino superior público, inspirando-se no relatório da OCDE e remodelando o modelo de gestão das universidades, com a criação de um Conselho Geral onde a participação dos estudantes é reduzida a um mínimo e onde se prevê a entrada dos chamados “elementos externos” à instituição. Nesta altura, já se poderia imaginar que elementos externos seriam esses. Em Coimbra, a adaptação dos estatutos da universidade ao RJIES resultou no fim da paridade nos órgãos, com os estudantes a verem a sua participação reduzida a uma formalidade simbólica. Acabou-se com os órgãos democráticos da Universidade de Coimbra, como o Senado (que se transformou num órgão meramente consultivo), e a Assembleia de Representantes, órgão extenso onde o princípio democrático se encontrava melhor representado. Em seu lugar, foi instituído um Conselho Geral, constituído por 18 representantes dos professores e investigadores, 5 representantes dos estudantes, sendo quatro do 1.º e 2.º ciclos e um do 3.º ciclo, 2 representantes dos trabalhadores não docentes e não investigadores, e 10 “personalidades de reconhecido mérito, externas à Universidade de Coimbra”. É nestes “elementos externos” que nos queremos centrar neste texto.

Já desde os tempos do relatório da OCDE que certos sectores da academia vinham alertando para o que a intromissão destas “personalidades de reconhecido mérito” significava verdadeiramente: a permeabilização da Universidade aos interesses de privados, chegando os representantes dos grupos económicos ao mais alto órgão de gestão da Universidade de Coimbra. Depois de meses, e após as falhadas “lutas de gabinete” levada a cabo pelos nossos comodistas e algo cobardes dirigentes da AAC, elege-se o Conselho Geral e finalmente vemos quem são essas “personalidades de reconhecido mérito”. Infelizmente, os sectores que acima referimos, sectores de oposição às recentes Direcções Gerais da AAC, tinham razão. Em primeiro lugar, o presidente do Conselho Geral é Artur Santos Silva, cujo “reconhecido mérito” é ser presidente do conselho de administração do BPI (triste sina a nossa, quando banqueiros presidem a um dos mais altos órgãos de gestão da universidade). Além desta “personalidade”, temos também, por exemplo, Almeida Santos ou Maria de Belém Roseira, ou outras personalidades, representantes de empresas e grupos económicos, como o empresário Gonçalo Quadros (cujo “mérito” deve ser certamente o facto de presidir à Critical Software), Luís Almeida (director-adjunto do Departamento de I&D da Bial), Rodrigo Costa (presidente da comissão executiva da ZON Multimédia), António Gomes de Pinho (presidente da Fundação de Serralves) ou Luís Filipe Reis (administrador executivo da Sonaecom).

De facto, agora confirma-se o que significa realmente “abrir a Universidade à sociedade civil”. Trata-se de abrir a Universidade aos interesses de empresas e grupos económicos, que agora terão uma palavra a dizer sobre a fixação da propina, a fusão ou extinção de faculdades, a passagem a fundações e a eleição do reitor. Realmente, o BPI ou a Sonaecom terão maior peso nas decisões que os próprios estudantes, visto que no Conselho Geral têm assento 5 estudantes, enquanto que elementos externos são 10. Chamem-lhe o que quiserem, mas, no nosso ponto de vista, isto não pode ter outro nome que não privatização! É a total subordinação da universidade pública aos interesses privados. Não vemos o presidente do conselho de administração do BPI ou da Sonaecom muito preocupados com a qualidade dos planos curriculares que não lhe interessem, por exemplo dos cursos da Faculdade de Letras. Vemos sim estes senhores a apoiarem entusiasticamente destruição do ensino superior público, através do aumento de propinas, pois tal destruição só beneficiaria o ensino superior privado, sector onde bancos como o BPI dão cartas. Pois desengane-se quem pense que a educação não é um grande negócio, facto que os grupos financeiros já se aperceberam há muito tempo. Vemos, isso sim, estes senhores a apoiar uma possível transformação da universidade em fundação de direito privado, pois isto possibilitaria a entrada directa de capital de grupos como o BPI ou a Sonaecom, possibilitando ainda a moldagem do ensino superior às necessidades do capital, e retirando lucros enquanto este processo se desenrola.

Poderá alguém crer que o BPI, a Sonaecom ou a Zon Multimédia estejam preocupados com a universalidade do ensino superior público ou a sua componente civilizacional e progressista? Em nome do lucro tais valores são rapidamente postos de lado.